Meu pai faleceu um mês e uma
semana depois que deixei de escrever neste blog. Eu estava psicologicamente e
fisicamente exaurida naquela época!
Por dois anos, entre idas e
vindas a médicos, faltas e/ou atrasos no trabalho, abandono de vida social – já
cheguei a entrar em casa na sexta-feira depois de chegar do trabalho e colocar
os pés na rua novamente só na segunda-feira para ir de novo ao trabalho, com a
luta diária contra a diabetes, contra as escaras, contra o tempo, contra a lógica
de querer que ele ficasse para sempre e um dia à noite, depois de ajudar minha
mãe a trocar os curativos dele, aos prantos, falei com Deus: “Estamos prontos... por favor,
deixe-o ir!”.
Menti para Deus neste dia.
Imagino que Ele deu um sorriso de canto de boca e falou: “Está nada, menina! Conheço
seu coração!”
E conhece mesmo. Ninguém está
pronto para isso.
Deus ainda nos deu três dias, depois ele faleceu e até hoje dói.
Era uma segunda-feira, 21 de
dezembro, o primeiro dia de verão.
Ele nasceu no dia 24 de junho, no
dia de São João. Dizem que é a noite mais fria do ano. Ele era tão friorento
que esperou quando o verão chegasse.
O sol estava fortíssimo naquele
dia mesmo sendo manhã. Lembro-me de usar um vestido de malha leve preto com estampa
de mini flores brancas para ir ao trabalho.
Lembro que naquele dia eu não
queria trabalhar. Durante todo o caminho de ida, eu o fiz quase chorando. Não
sabia o por quê. Soube o motivo só uma hora depois.
Cheguei ao trabalho às 8 horas.
Haveria uma reunião do Conselho às 9 horas. Meu Superintendente pediu que eu
digitalizasse um documento que seria enviado por email a uma empresa externa.
Depois do email enviado, me deu uma vontade incontrolável de ligar para a minha
casa. Liguei e quem atendeu foi minha irmã mais velha. Já achei aquilo bem
estranho porque ela ia lá só na parte da tarde. Quando perguntei se estava tudo
bem... ela me deu a notícia: Pai havia acabado de falecer!
Foi em casa, depois de tomar
banho, depois do café da manhã que minha deu a ele com a ajuda da minha tia. Ele
estava sentado no sofá no quarto e meu irmão estava fazendo a barba dele. A
respiração foi ficando cada vez mais fraca até que deu o último suspiro. Morreu
igual a um passarinho. Sem alardes. Sem tempestades de "ais".
O resto do dia foi tudo muito
confuso! Era como se eu estivesse ali e não estivesse. Em uma comparação horrível:
como quando a gente vai ao dentista e anestesiam a boca da gente, sabemos que a
boca está ali, mas, não a sentimos. Era assim com o corpo inteiro.
A sensação de ausência e
incompletude é uma constante desde então. Até hoje eu choro. Não são todos os
dias como antes. A maioria das vezes são as lembranças alegres ou engraçadas
que suprem esta ausência. Recordar para não esquecer. Tão óbvio e tão necessário.
Pai era meio bagunceiro, meio
atrapalhado, mas era a pessoa que NUNCA reclamava de nada! Em todos os anos de
convívio, eu não me lembro de ouvir da boca alguma reclamação. Perguntei aos
meus irmãos sobre isso e a resposta deles foi a mesma.
Quando ele tinha que falar alguma
coisa a alguém, não era muito jeitoso com as palavras ditas. Acredito que
herdei isto dele. Prefiro a escrita que a gente pode corrigir!
Tinha uma fé e uma religiosidade
que faziam dele referência nisto. No velório várias pessoas comentaram comigo
que “se ele não está nos braços de Deus agora, ninguém mais estará”.
Ele teve uma vida longa e cheia
de causos! Tornou-se mestre em sabedoria na simplicidade.
Um dia, aos 91 anos, ele já doente, perguntei para ele:
- Pai, o que é vida?
E ele me respondeu com um sorriso:
- É não ficar distraída pensando nisso.
Homem sabido!