sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Jardim Morto

Amo muito este texto!
Não dá para explicar a maneira que ele foi importante para mim.


JARDIM MORTO

Cai chuvosa a manhã sobre o jardim... No final duma ladeira lamosa e junto de uma cruz, verde e negra de umidade, está a porta de madeira carcomida que dá entrada ao recinto abandonado. Mais a frente há uma ponte de pedra cinzenta e na distância brumosa, uma montanha nevada. No fundo do vale e entre penhas corre o rio manso cantarolando sua velha canção.

Em um nicho negro que há junto da porta, dois velhos com capas rasgadas aquecem-se ao lume de uns tições mal acesos... O interior do recinto é angustiante e desolado. A chuva acentua mais esta impressão. Escorrega-se com facilidade. No chão, há grandes troncos mortos... As paredes, altas e amareladas, estão cruzadas de gretas enormes, pelas quais saem lagartixas que passeiam formando com seus corpos, arabescos indecifráveis. No fundo há um resto de claustro, com heras e flores secas, com as colunas inclinadas. Nas fendas das pedras desmoronadas há flores amarelas cheias de gotas de chuva; no chão há charcos de umidade entre as ervas...

Não restam mais do que as altas paredes onde houve claustros soberbos que viram procissões com custódias de ouro entre a magnífica seriedade dos tapetes...

Uma coluna ruiu sobre a fonte, e ao celebrar suas bodas de pedra, o musgo amoroso cobriu-as com seus finos mantos. Pelos vazios de um capitel horizontal assomam ervas miúdas de verde luminoso.

As plantas se abraçam umas com outras, a hera cobre as velhas colunas que ainda se tem em pé, a água que transborda da fonte lambe o solo de pedra que há em seu redor e depois se entrega à terra, que a bebe com repugnância... A restante se perde por um buraco negro, que a bebe com avidez.

Há cortinas pesadas de teias de aranha, as samambaias cobrem os bancos de pedra... Se ouve um contínuo gotejar..., é a água que chora as tristezas de nosso jardim. Nada há de novo no recinto..., até a água é sempre a mesma... penetra pelo solo e volta a sair pelo rosto do adorno da fonte.

Não se pode andar porque as trepadeiras se emaranham nos pés..., é como se o gênio oculto do jardim, quisesse reter algo vivo entre tanta desolação e morte... Atrás do resto de claustro há um jazigo. Os sepulcros desapareceram.., só entre a penumbra e as teias de aranha, umas letras borradas falam uma inscrição em latim... Não se distinguem mais do que duas palavras, uma que diz Requiescit e outra Mortuos...

A chuva aumenta e cai sobre o jardim produzindo ruído surdo e apagado... Umas folhas grandes estremecem suavemente e entre elas assoma com sua cabeça achatada um grande lagarto..., que sai correndo a esconder-se entre umas pedras. Deixa a cauda de fora e depois se introduz de todo... As ervas que o peso do lagarto inclinou voltam preguiçosamente a ocupar sua primitiva posição... Com o vento, todas as flores amarelas tremem e se sacodem da água que tem entre suas pétalas... Há caramujos pregados aos muros... O tempo foi desapiedado para com este jardim; secou seus rosais e cinamomos e, em troca, deu vida a plantas traiçoeiras e mal olentes...




Não pára a chuva de cair.


- -
Federico García Lorca 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Cuéntame.

Eu já...

... corri de boi bravo. ... fui embora querendo ficar. ... deixei de fazer coisas por medo de perigo que só existia na minha cabeça. ... vol...