quarta-feira, 22 de setembro de 2021

A Cadeira do Rei

 
 

Tanto tempo que não escrevo, mas lendo um conto dias atrás, me lembrei do meu pai e a cadeira “do rei”.

Minha mãe sempre nos deu muita liberdade nas horas das refeições.

- Almoço está pronto!

- Não quero almoçar agora.

- Então almoce quando estiver com fome. Lembre-se de guardar a comida na geladeira depois senão azeda.

Ou:

- Não quero comer “na mesa”, vou almoçar na sala assistindo TV.

- Não deixe entornar comida no chão porque limpei tudo ontem. Passei até cera.

Erámos 6 pessoas dentro de casa e cada uma com um horário diferente de trabalho ou estudos. Praticamente impossível coincidir os horários.

Quando juntava a família aos domingos, cada um ia para um canto acompanhado de um outro alguém. Almoçávamos separados, mas, nunca sozinhos.

Mas, o pai...

Tem uma cadeira que fica ao lado da mesa e ele mesmo chamava de cadeira do rei. Cadeira dele. Do rei.

Não importava quantas pessoas estivessem em casa. Não importava quem estivesse em casa.

A cadeira era sempre dele. Era ele quem deveria sentar-se na cadeira.

A cadeira fica localizada estrategicamente ao lado da mesa grande e bem em frente ao caminho do portão à cozinha da nossa casa.

Na cadeira do rei ele comida, bebia, cantava, lia, conversa com as visitas... tudo era feito ali.

Várias vezes convidamos ele para se sentar à mesa, pois, haviam lugares disponíveis, mas ele sempre com o prato de comida na mão dizia que ali estava bom.

Se alguém – inadvertidamente – se sentasse nesta cadeira, quando ele chegava, pedia para que a pessoa se sentasse em outro lugar porque ali era o lugar dele.

Várias pessoas tentaram negociar com ele, pedindo que ele deixasse que elas continuassem na cadeira indicando outros lugares para ele. Ele sempre respondia: Se você já viu outros lugares vagos, sentou aqui por quê?

Com o passar do tempo, todo mundo que estava sentado na cadeira já se levantava – quase pedindo desculpa - quando ele chegava.

Ele se foi e a cadeira do rei existe até hoje.

Quase ninguém se senta nela. Algumas coisas nos pertencem mesmo quando não estamos.

Nelson Gonçalves cantou: “Eu não sabia que doía tanto esta mesa de canto, uma casa e um jardim...”, hoje, na nossa família, a cadeira do rei compõe o cenário desta música.

  


 

Eu já...

... corri de boi bravo. ... fui embora querendo ficar. ... deixei de fazer coisas por medo de perigo que só existia na minha cabeça. ... vol...