Fim do dia, sentada na poltrona de retalhos na sala do seu apartamento,
xícara de chá de capim cidreira na mão, olhava para o pôr do sol invernal que –
como uma tela de Mirò – se pintava na sua janela.
Passava mentalmente seu dia, ainda que tudo o que aconteceu depois
daquela ligação não passasse de sombras em sua cabeça.
Carlos lhe telefonou às dez horas da manhã convidando-a a almoçar. Falava
com voz tranquila, muito diferente da última vez em que se viram, três dias
atrás, quando discutiram muito. Uma das piores discussões em três anos de
relacionamento.
Foi para o banho, tardou-se mais que o necessário, ela tinha consciência
disso. Talvez quisesse que água lavasse também palavras ditas por ele, dias
atrás.
Esmerou-se na roupa, na maquiagem e no sorriso nos lábios. O céu estava
carregado, o dia nublado, cinza e queria que algo nela lembrasse alegria. Blusa
amarela e saia rodada com estampa de girassol.
Chovia muito quando saiu de casa. Pegou um táxi até o restaurante e chegou
10 minutos antes do horário combinado. Pouco
tempo depois chegou Carlos. Ele nunca se atrasa. Era uma coisa que ela admirava
muito nele. A pontualidade.
Cumprimentaram-se com uma delicadeza e distância exagerada, como se cada
um fosse uma bolha de sabão e qualquer toque ou movimentos bruscos poderia
anular suas existência.
Sentados à mesa, o garçom se aproximou para anotar os pedidos.
Logo que se afastou Carlos começou a conversa:
- Você está muito bonita!
- Obrigada! – Pensando que
conseguiu disfarçar bem as olheiras de três dias de choro e tristeza.
Um brilho de esperança acendeu dentro dela.
- Não sei se antes do almoço é um bom momento para ter esta conversa. Na
verdade, não sei se existe um “bom” momento para isso, mas por tudo o que
vivemos, por tudo que passamos, precisava falar com você, preciso que saiba por
mim e não pelos amigos: Conheci uma outra pessoa.
Momentos de silêncios se seguiram a estas palavras.
Luísa não respira – talvez por medo de doer mais - estava com uma mistura
de sentimentos entre incrédula, raivosa e triste.
Escutava palavra por palavra que saía daquela boca que tantas vezes ela
beijou e tentava se lembrar da época em que eram bem diferentes desta de agora.
Em pensamento, perguntou-se:
- Onde foi que me perdi?
Ainda escutava a Carlos tentar explicar o que não tinha explicação:
- Você precisa entender Luísa, a gente não manda no coração e a carne é
fraca.
Ao ouvir isso, ela se levantou e foi embora. Sem uma palavra sequer. Sem
olhar para trás. Não tinha o que dizer. Nada precisava ser dito.
Ela ensaiou gritar:
- Não. A carne não é fraca. É o caráter que é.
Mas, preferiu o silêncio. Havia compreendido há tempos uma pessoa que
joga três anos de relacionamento no lixo e que tenta explicar uma traição
dizendo que a carne é fraca, nunca entenderia o que é “caráter”.
Seguiu para casa em silêncio. Já não chovia e se deu conta de que nem o
céu e nem ela tinham mais água para verter.
Caminhou sem pressa e sem pressão.
Chegando ao edifício, subiu pelas escadas, degrau por degrau, contando-os
na tentativa de pensar em qualquer coisa que não fosse o Carlos.
Abriu a porta de casa, ligou a televisão, jogou-se no sofá. Olhava para a
televisão e não via nada. Deixava-se existir.
Passou o resto do dia assim.
Pouco a pouco voltava à consciência.
Percebeu que sua roupa lhe apertava e o sapato machucava seus pés. Seu
corpo precisava de liberdade e despiu-se.
Olhou de novo para a televisão e passavam as notícias da cidade. A “moça
do tempo” dizia que:
- As nuvens que haviam se instaurado na cidade há uma semana, amanhã nos
dará uma trégua.
Levantou-se e foi até à cozinha fazer algo para beber.
Sentada na poltrona de retalhos na sala do seu apartamento, xícara de chá
de capim cidreira na mão, olhava para o por do sol invernal que – como uma tela
de Mirò – se pintava na sua janela e disse a si mesma:
- Amanhã haverá sol.
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