Meses atrás conheci a Dona Bea (assim mesmo com a letra “e”
porque é Beatriz e ela não gosta quando a chamam de “Bia”). Eu estava no
interior de Minas Gerais, andando em uma estrada de terra, perto da casa da tia
de uma amiga minha, onde estávamos passando uns dias.
Era uma sexta-feira, por volta de meio dia, o sol estava
muito forte e eu parei para descansar um pouco em um banquinho debaixo de uma
árvore, ao lado da porteira da casinha dela. E tinha também um pé de cerejeira. Com duas flores.
Casinha branca com janela azul, com fogão a lenha(de longe
dá para ver a fumaça saindo da chaminé da casa dela), com quintal e com janela
para ver o sol nascer.
Dona Bea nasceu na roça, cresceu na roça, casou-se, foram
morar na roça e hoje aos seus 80 anos, muito provável que não saia mais de lá.
Dona Bea estudou pouco. Como ela mesma disse: “Naquela época
não tinha muito recurso.”
Vai à “cidade grande” somente para fazer compras ou para ir
ao médico. O que quase nunca acontece porque cuida da alimentação desde sempre.
Colhe muito do que planta e troca com os vizinhos o que está sobrando da
colheita. Tem fruta e verduras o ano inteiro. Legumes têm suas épocas, mas
sempre tem. E tem saúde também. Até hoje ela cozinha com banha de porco, mas fica
brava quando é questionada se isto é saudável. Ela responde: “Devolvo tudo para
a terra em suor, então não faz mal.”
Teve nove filhos e todos eles saíram de casa para trabalhar
nas empresas grandes da cidade e para continuar os estudos. Eles a visitam
regularmente. Nos finais de semana a casa fica cheia de filhos e filhas, genros,
noras e netos.
Ela gosta muito rezar. Reza o Terço todos os dias... “é que
aqui a gente tem tempo para a fé.”
Acredito que quando o deus Chronos criou o tempo, ele
colocou uma observação em letras minúsculas no fim da página – daquelas que a
gente não consegue ler:
- Nas grandes cidades você vai correr mais
rápido que um raio;
- No interior você vai passar
caminhando, sem pressa e sem pressão. Se alguém convidar, sente-se, tome um
café e escute uma história.
Dona Bea teve uma vida de muito trabalho e algumas
dificuldades. Disse que nunca passou fome, mas isto se deve porque nunca foi
preguiçosa: “A terra dá tudo, mas você tem que ter coragem.”
Ela me encontrou depois de uns 15 minutos em que eu já
estava sentada lá. Eu estava tão absorta em meus pensamentos que nem havia
notado que ela se aproximava. Ainda do outro lado da porteira, ela começou a
nossa conversa:
- A “fia” “tá” longe. “Tá” aqui, mas “num tá”.
Sorri e respondi:
- Estou pensando na vida!
Dona Bea respondeu com um olhar doce e sereno de quem já
viveu suficiente para reconhecer dramas inventados:
- Minha “Fia”, vida pensada é vida sofrida.
A Senhora tem razão Dona Bea. Senta aqui um pouquinho, vamos
conversar.
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