A Cadeira do Rei

 
 

Tanto tempo que não escrevo, mas lendo um conto dias atrás, me lembrei do meu pai e a cadeira “do rei”.

Minha mãe sempre nos deu muita liberdade nas horas das refeições.

- Almoço está pronto!

- Não quero almoçar agora.

- Então almoce quando estiver com fome. Lembre-se de guardar a comida na geladeira depois senão azeda.

Ou:

- Não quero comer “na mesa”, vou almoçar na sala assistindo TV.

- Não deixe entornar comida no chão porque limpei tudo ontem. Passei até cera.

Erámos 6 pessoas dentro de casa e cada uma com um horário diferente de trabalho ou estudos. Praticamente impossível coincidir os horários.

Quando juntava a família aos domingos, cada um ia para um canto acompanhado de um outro alguém. Almoçávamos separados, mas, nunca sozinhos.

Mas, o pai...

Tem uma cadeira que fica ao lado da mesa e ele mesmo chamava de cadeira do rei. Cadeira dele. Do rei.

Não importava quantas pessoas estivessem em casa. Não importava quem estivesse em casa.

A cadeira era sempre dele. Era ele quem deveria sentar-se na cadeira.

A cadeira fica localizada estrategicamente ao lado da mesa grande e bem em frente ao caminho do portão à cozinha da nossa casa.

Na cadeira do rei ele comida, bebia, cantava, lia, conversa com as visitas... tudo era feito ali.

Várias vezes convidamos ele para se sentar à mesa, pois, haviam lugares disponíveis, mas ele sempre com o prato de comida na mão dizia que ali estava bom.

Se alguém – inadvertidamente – se sentasse nesta cadeira, quando ele chegava, pedia para que a pessoa se sentasse em outro lugar porque ali era o lugar dele.

Várias pessoas tentaram negociar com ele, pedindo que ele deixasse que elas continuassem na cadeira indicando outros lugares para ele. Ele sempre respondia: Se você já viu outros lugares vagos, sentou aqui por quê?

Com o passar do tempo, todo mundo que estava sentado na cadeira já se levantava – quase pedindo desculpa - quando ele chegava.

Ele se foi e a cadeira do rei existe até hoje.

Quase ninguém se senta nela. Algumas coisas nos pertencem mesmo quando não estamos.

Nelson Gonçalves cantou: “Eu não sabia que doía tanto esta mesa de canto, uma casa e um jardim...”, hoje, na nossa família, a cadeira do rei compõe o cenário desta música.

  


 

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